PELA CIDADE
WLADIMIR BRITO Professor de Direito na Universidade do Minho
por WLADIMIR BRITO
Professor de Direito na Universidade do Minho
Vida e Morte, eis a mais radical dialéctica da existência humana consagrada no Génesis e no Apocalipse. De facto, se somos vida, morte seremos, vivendo, morreremos. Esse é o destino que todos teremos de cumprir. Belmiro Oliveira cumpriu-o inesperadamente.
Com a sua morte a tristeza passou a habitar a amizade recoberta de afecto que, ao longo da sua vida, cultivou como imperativo existencial, para nos oferecer envolto na música dos grandes compositores clássicos.
A música teceu as malhas da nossa amizade. Primeiro, numa conversa com sobre a música clássica em que me deu a conhecer a sua paixão por esse género musical e o modo como organizava as suas audições, selecionando com grande rigor os programas de rádio que queria ouvir e gravar. Depois, em conversas sobre compositores, gravações, cantores, orquestras e maestros, o Belmiro revelava a sua exigência de qualidade e o requinte do seu bom gosto, para distinguir, por anos e editoras, a qualidade de gravações, das orquestras, dos cantores, dos instrumentista, etc..
Deste modo, o Belmiro passou a ser o meu professor nessas matérias, ensinando- -me a ser rigoroso e cauteloso na escolha e audição das gravações e a estar criticamente atento aos programas de música clássica. Quando, a propósito da música clássica, falava do Belmiro dizia sempre que ele era o meu treinador.
A música aproximou-nos e tornou-nos amigos e o local onde essa amizade se consolidou foi na catedral europeia da música clássica, Bayreuth, onde, em 2009, fomos ouvir O Anel de Niebelungen, de Wagner. No meu escritório, programámos a viagem, programação meticulosa à Belmiro, que não admitia improvisações. Com a Sofia, partimos para a Alemanha, não só para ouvir Wagner, mas também para uma jornada cultural por várias cidades da pátria de Goethe de que ele tanto gostava.
Tínhamos combinado ir de novo este ano a Bayreuth, mas o destino que o tinha impedido de ir à Festspiele em 2013, voltou a impedi-lo de lá ir em 2016, convocando-o nos deixar, na véspera do dia em que eu ia pedir os bilhetes. A dialéctica da vida e da morte, com a intransigência que a caracteriza, impôs agora a morte.
Mas, o Belmiro ia para além da música. Interessava-se pela literatura e pelas artes em geral, apreciava a boa gastronomia e os bons restaurantes, a beleza das paisagens e da arquitetura das cidades. Envolvia-se civicamente naquilo que ele achava importante para o seus ideais e para a sua terra.
Sem o Belmiro, os amigos e os melómanos deixam de poder conviver com um companheiro afável, exigente, metódico, intransigente com a qualidade, sério e leal na suas relações com os outros e apreciador das coisas boas da vida. Sem o Belmiro, sim, somente porque o destino impede-o de aparecer fisicamente, mas já não na nossa memória.
Não se agradece a amizade, Belmiro, mas agradeço-te o que me ensinaste sobre a música, em especial, a clássica e a ópera.
Continuando a apreciar a música homenagear-te-ei.
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