Que fazer com os velhos?

Por Francisco de Oliveira.

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Por Francisco de Oliveira,
Pároco em Urgezes, GuimarãesSim. Não tenhamos medo das palavras, os velhos. Prefiro conhecer os adversários de cara descoberta, do que ocultos em pleonasmos. A clareza de Ralph Waldo Emerson, que nos deve escandalizar, dá-me mais conforto do que a hipocrisia dos tempos hodiernos. Este senhor no século XIX disse-o sem rodeios: “A velhice traz com os seus aspetos nefastos, o conforto de saber que em breve nos livraremos deles”. Palavras cruéis? Sem dúvida. Mas, ao contrário dos de hoje, sabemos ao que vem. Aqueles que apelidamos de terceira/quarta/quinta/… idade, embrulhados em falas mansas, foram expulsos das nossas casas. Os filhos e netos já não conhecem as suas histórias, o odor da sua presença desabitou o lar tornado refúgio da sociedade agressiva em que sobrevivemos. Deixamos de viver, porque deixamos de conviver (como nos ensinou Guerra Junqueiro: “Viver é conviver”) com os que nos precederam no tempo, avós e pais, e reduzimos a nossa família ao núcleo enclausurado no seu bem-estar. Mas quando vem a contrariedade, desvelada em pandemia, então descobrimos as podridões em que habitamos.

Arendhati Roy, escritora e ativista indiana, afirmou em entrevista à Revista E do Expresso (30 de Maio de 2020): “Os mais vulneráveis à Covid são os que têm outras doenças. O mesmo se passa nas sociedades. O vírus expõe fragilidades, amplifica injustiças”. A velhice, em contraste com a adorada juventude, é hoje uma doença da qual não queremos proximidade. E até arranjamos um sítio para os colocar esperando que o conforto desejado do senhor Ralph Waldo Emerson nos livre desta praga. E os pleonasmos continuam para consolo dos bens pensantes – apelidamos de Lar as casas que o armazenam e nós, enquanto ninguém nos escorraçar do nosso lar, somos jovens de espírito. Mas, como muito bem escreveu o cardeal Mendonça, “se os velhos são reduzidos a números, e a números com escassa relevância humana e social, podemos até superar airosamente a crise sanitária, mas sairemos diminuídos como comunidade”. A velhice é por excelência na história da humanidade o tempo da sabedoria, os anciãos, a meta que todo o que nasce anseia por alcançar. No mundo romano a esses chamaram senadores, donde do mesmo étimo vêm igualmente as palavras sénior e senil. Mas nos tempos que correm, no ocidente em que o nosso quotidiano acontece, prevalece a palavra senil para os nossos velhos. E como isso estorva a fruição e a distracção dos mais novos familiares, então temos que os colocar onde pouco ou nada nos incomodem. Mas, continuando com o nosso cardeal, “não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos tocou em sorte”.

No Livro do Levítico (19, 32) o hagiógrafo afirma – “Ficarás de pé diante do que têm cabelos brancos; honrarás o rosto de quem é ancião”. O encantamento da sociedade do progresso e da produção, da eficiência e do consumo, prometendo uma felicidade sem fim, marginalizou muitos como inúteis e mesmo estorvo. Os velhos são as vítimas principais desta sociedade que descarta quem não entra no paradigma definido dos bonitos e saudáveis, incapazes de fruir e divertirem-se. Isto é tanto assim que Max Weber compreendeu que os homens e as mulheres “já não morrem saciados de vida, mas simplesmente cansados” (isto traz-me à memória o cansaço do turismo atual, onde não nos reconfortamos para mais um ano de trabalho mas vimos cansados, e sem dinheiro, como colecionadores loucos de não-lugares). O Papa Francisco, no texto Cristo Vive, fala-nos dos “sonhos construídos com recordações” de vida vivida onde se vislumbra o futuro que escancara horizontes. Os anciãos se não sonharem “os jovens já não podem olhar claramente o horizonte”, e conclui daí como “é bom deixar que os anciãos façam longas narrações, (…), cheias de uma rica experiência, de símbolos eloquentes, de mensagens ocultas”. É no tempo convivido das gerações, feito de escuta e paciência, que “não cabem numa mensagem das redes sociais” que se constrói a humanidade. Apesar das nossas fragilidades, que nos fazem tomar consciência da verdadeira natureza humana. Os velhos, anciãos e senadores, são as bibliotecas vivas que ultimamente descartamos em caixotes de armazém que apelidamos de Lar, Hotel, etc, e outros pleonasmos. Os velhos valem muito mais para as famílias e as sociedades que o seu vale de reforma.

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