Rui Silva: “Gostava de dar ao andebol aquilo que o andebol me deu até hoje”

Entrevista publicada na edição de abril da revista Mais Guimarães.

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O pavilhão do Xico viu-o crescer e, agora, o caminho é para Tóquio. O golo da vitória, que permite carimbar a presença nos Jogos Olímpicos, é de Rui Silva, o vimaranense que rumou a Lisboa com apenas 17 anos de idade. Fez-se história no andebol português.

© João Bastos / Mais Guimarães

Já ouviste o relato do jogo, mais precisamente do momento do golo, que vos dá o acesso aos Jogos Olímpicos?

Já, já. Já ouvi em português, já ouvi em inglês… É incrível a situação em si e é óbvio que a parte final ainda é mais impressionante. Acaba com o comentador a dizer “Vamos a Tóquio. Tóquio. Tóquio.” É incrível. Uma situação de orgulho para todos nós.

Sabes quantos segundos faltavam para acabar o jogo?

Não, sinceramente não [risos]. Nem tive capacidade, na altura, de olhar. Nós tínhamos noção que faltava pouco tempo e se tivesse que marcar golo o mais rápido possível, marcava. Foi isso que aconteceu.

Mas estavas consciente de que aquele podia ser o golo?

Sinceramente, acho que não. Ou seja, o facto de a bola não estar em nossa posse, naquele momento… uma pessoa tem noção de que só algo de muito difícil aconteceria. Como acontece tudo tão rápido, em 14 segundos, eles têm a bola, nós chegamos a marcar golo e eles depois ainda têm a possibilidade de marcar, eu nem tive capacidade de pensar na importância que era aquele golo. Só depois.

O que é sentiste quando te caiu a ficha?

É o concretizar de um sonho. Um orgulho enorme de estar ali, por ter feito o golo, e por saber que contribui, de alguma forma, para a história do andebol português e do desporto português.

O que é que significam os Jogos Olímpicos?

Significam um sonho de uma vida enquanto desportista, enquanto atleta profissional. Falamos da maior competição. Acho que muita parte do povo português não deve ter noção do que significam os Jogos Olímpicos como evento e a sua importância para as modalidades, visto que o futebol é um bocado secundário nos Jogos. Para nós, como atletas, e que acompanhamos o andebol desde crianças, é claramente o concretizar de um sonho.

Alguma vez te passou pela cabeça que pudesses fazer a diferença em algo tão significativo?

Não, da mesma forma que, por muito que estivesse naquela qualificação, se calhar, há dois anos, nunca me passaria pela cabeça que poderia ter a oportunidade de ir a uns Jogos Olímpicos. Se calhar, dias antes, pensei “estamos próximos, só dependemos de nós”, a realidade era essa, mas nunca que o desfecho iria ser como foi.

“Era o jogo das nossas vidas, o jogo mais importante do andebol em Portugal.”

Rui Silva

Um colega teu disse: “no remate do Rui Silva, estávamos todos no braço dele”. Os teus colegas e amigos já sabiam desta homenagem?

Os meus colegas aperceberam-se, porque já estávamos juntos fazia uma semana. Já tinham visto o que eu tinha feito e a realidade é mesmo essa, estávamos todos ali e todos juntos conseguimos marcar golo.

Tu disseste que “a bola caiu do céu”…

Eu acredito que foi um bocado assim. Temos todos mérito por aquilo que aconteceu, mas a sensação que eu, como jogador, tenho é claramente essa, que a bola me cai do céu nas mãos e eu acabo por fazer o golo.

Sentes que és “o herói”, como te têm apelidado?

Eu próprio não me sinto o herói. Tenho noção daquilo que fiz e do quanto é importante o golo para o andebol e para o desporto. Mas somos todos heróis. O andebol é um desporto coletivo e aquela oportunidade só acontece com muitos outros intervenientes e com os meus colegas a fazerem muitas coisas que contribuíram para que aquilo acontecesse. Somos uma seleção de heróis. Isso faz com que, mesmo nos momentos de mais dificuldade, estejamos todos próximos uns dos outros e capazes de puxar uns pelos outros para conseguirmos grandes vitórias e grandes feitos.

A preparação deste jogo foi igual aos outros?

Nós não temos muito tempo de preparação. Treinávamos num dia e no a seguir estávamos novamente a jogar. Ou seja, tínhamos ali, que sejam, 24 horas de um jogo para o outro. Não nos dá muito tempo. Mas é óbvio que a importância que o jogo tinha levou a uma preparação maior. A nossa parte profissional e mental tem que estar de uma forma mais exigente para aquilo que era aquele jogo. Era o jogo das nossas vidas, o jogo mais importante do andebol em Portugal.

Como é que é o dia a dia de um jogador de andebol?

Felizmente, para mim, que consigo ser profissional de andebol, é um dia a dia muito parecido com qualquer desportista profissional. Agora acordo mais cedo, porque tenho uma filha [risos]. Mas acaba por ter uma parte do descanso muito importante, a parte da alimentação, ter a capacidade de estar o melhor capaz possível para treinar e estar na melhor forma.

Como é que começa a tua paixão pelo andebol?

Começo a jogar andebol muito novo. Aos quatro, cinco anos, já andava no pavilhão do Xico a divertir-me. Era um divertimento e continua a ser. Por influência dos meus pais, que tinham sido jogadores de andebol, e do meu irmão mais velho, que estava lá, fui um bocado atrás dele e acabei por ficar.

Há muita rivalidade quando se joga com um irmão?




Gostava mais de jogar com ele do que contra ele, é verdade, mas acaba por ser tranquilo. Quando jogamos um contra o outro nenhum de nós quer perder. O desporto é mesmo isso. Vai haver sempre quem ganha, quem perde, mas acaba o jogo e não há problemas nem quezílias entre os dois por aquilo que aconteceu no jogo.

Qual foi o momento em que percebeste que era isso que querias fazer?

Não consigo dizer a idade ao certo. Mas tenho noção que, desde muito novo, o facto de gostar mesmo de jogar andebol e desde muito novo saber que tinha capacidade para o fazer, fez-me acreditar que podia seguir com o andebol e sonhar que podia chegar ao patamar mais alto.

Sempre fui um bom aluno, nunca tive grandes problemas na escola. Um bocado mal comportado, mas bom aluno [risos]. Os meus pais nunca interferiram nessa questão do desporto – escola, porque sabiam da importância, tanto para mim, como para o meu irmão, que tinha o andebol. Tinham noção que nós tínhamos qualidade para fazer do andebol carreira e sempre estiveram muito ligados ao Xico e acompanharam sempre de perto a nossa evolução. Cada pai educa os filhos à sua maneira, mas acho que o desporto faz falta em qualquer criança. Por tudo. Não só pela própria atividade física, mas também por tudo que oferece, esta capacidade que o desporto tem a nível coletivo de fazer unir as pessoas. O próprio convívio que se cria num grupo de 14 ou 16 jogadores acaba por ser muito importante para o resto da vida.

Qual é a melhor memória que tens do Xico?

O Xico foi incrível, fez parte da minha adolescência e acho que a fase mais bonita de uma pessoa é a adolescência, quando não há responsabilidades e tudo é um mundo de rosas, tudo feliz. Mas desde a conquista de todos os títulos que tive na formação, até à conquista da Taça de Portugal, que foi no meu último ano do Xico. Foi incrível. Uma equipa de Guimarães ganhar uma Taça de Portugal numa modalidade e com muitos atletas de Guimarães.

Sais de Guimarães com 17 anos. Foi difícil?

© João Bastos / Mais Guimarães

Os meus pais nisso foram pessoas que me apoiaram muito e sentiram que era aquilo que eu queria, embora tivesse 17 anos. Não me arrependo nada daquilo que fiz, porque o facto de ter ido para Lisboa permitiu-me crescer muito como pessoa e ter de lidar com situações que em casa não estava habituado. Óbvio que a saudade da família fez-se notar, mas também ganhei outras coisas importantes para aquilo que faz de mim uma pessoa, acho eu, neste momento, forte emocionalmente e que procura cuidar dos seus.

Xico, Sporting, Porto. Como é que agora, olhando para trás, vês a tua carreira e a tua evolução?

Uma evolução, eu acho, boa. Tenho noção que quando estava no Xico estava ali ainda a aparecer no andebol. No Sporting, os primeiros anos de adaptação não foram assim tão fáceis e isso também me permitiu crescer. Acabo por ter bons anos no Sporting, mas depois senti a necessidade de mudar. Esta vinda para o Porto fez-me crescer ainda mais e dar um salto muito grande, tanto a nível de jogador, como pessoal, o que faz com que pertença ao Porto forte que aparece agora na Liga dos Campeões.

E na seleção? O ambiente é outro?

É um bocadinho diferente. Acaba por não ser muito, porque o Porto é uma base da seleção, somos muitos jogadores do Porto. O nosso trabalho do dia a dia e as nossas vivências do dia a dia acabam por ir para a Seleção e os outros atletas que vêm são atletas com quem desde muito novos fomos jogando nas seleções jovens. Há uma relação super boa entre todos, o que também faz com que não haja conflitos e que seja uma alegria estarmos todos lá. Há uma energia positiva entre todos.

Como é que alguém com 19 anos recebe a notícia de que vai à Seleção?

É incrível. É uma sensação de felicidade enorme, porque, como atleta português e como desportista, todos temos o sonho e a vontade de chegar à Seleção nacional. Saber que podemos representar toda a gente do nosso país através da Seleção faz-me sentir muito orgulhoso.

Quais é que foram os maiores ensinamentos que o andebol te trouxe?

O andebol, como desde cedo fez parte da minha vida, ensinou-me muita coisa. Desde a responsabilidade individual, à própria responsabilidade que tenho que ter com o facto de desde muito novo receber dinheiro e essa capacidade de gestão, e saber o que é que é mais importante. A partilha, a amizade… Todos os grandes valores, que acho que tenho hoje em dia, muitos são devido ao andebol.

O que é que recordas com mais carinho?

Levo todos os títulos com muita emoção e todas essas conquistas que nós tivemos. Mas acho que é super importante o que levamos para o resto da vida. São as pessoas que vamos conhecendo e todas as amizades próximas que vamos ganhando dentro do andebol. A verdade é uma, passo mais tempo, se calhar, com os meus colegas, do que com a minha mulher e a minha filha. Às vezes estou duas ou três semanas fora e passo 24 horas sobre 24 horas com os meus colegas. Isto faz com que relações fortes se ganhem e depois passem para a nossa vida pessoal.

© João Bastos / Mais Guimarães

“Gostava que Guimarães se fizesse notar pelas qualidades e por todo o talento que tem.”

Rui Silva

Como é que está o andebol em Portugal e, especificamente, em Guimarães?

Acho que estes resultados fizeram acordar um bocado as pessoas. Teve aqueles anos menos bons e as pessoas distraíram-se, não optavam por seguir a modalidade. Acredito que, sendo um povo de futebol e um povo que só repara nas outras modalidades, que estão com resultados positivos, o que temos vindo a fazer tem sido bastante positivo para a modalidade. Que as pessoas não adormeçam e que não vivam só de grandes feitos.

Esta acaba por ser uma realidade nacional. Sou de cá de Guimarães e claro que gostava que Guimarães se fizesse notar pelas qualidades e por todo o talento que tem na cidade. Infelizmente, continuamos a ser uma cidade que vive para o futebol. Mas fico sempre com a esperança de que um dia as coisas possam mudar e que a própria cidade valorize realmente quem é de cá. As pessoas vão-nos reconhecendo, a verdade é essa. Vou pegar nas palavras do Fox… o Fox é, se calhar, o melhor jogador daquilo que faz e passa completamente ao lado da realidade. Se ele fosse o melhor jogador de futebol, Guimarães vinha abaixo e todo o tipo de apoios caíam sobre ele. A própria cidade e as próprias pessoas acabam por nos deixar. Não é que esteja completamente de lado, mas só valorizam tudo o que fazemos quando existe sucesso. Depois as coisas caem sempre um bocado no esquecimento e é preciso outro grande feito para as pessoas se voltarem a lembrar. Acho que é uma realidade da cultura desportiva que temos no país.

É preciso mudar mentalidades?

Sim, é essa a principal questão. Mas isso começa desde muito novos, desde a própria cultura desportiva que vem das escolas e de toda a informação que vem da educação de um jovem. É óbvio que se um jovem é educado a ver futebol e a só olhar para o futebol, o seu futuro vai ser ligado ao futebol e nunca vai ter a capacidade de ver o que é que anda à volta.

“Gostava de dar ao andebol aquilo que o andebol me deu até hoje.”

Rui SIlva

O teu futuro passa pelo andebol ou há outros planos?

Gostar, gostava de dar ao andebol aquilo que o andebol me deu até hoje, mas com a perfeita noção de que não é fácil, não há assim tantas oportunidades. Para isso, continuo a estudar.

Já começamos a ver jogadores com 37, 38 anos, a jogar ao mais alto nível. Tenciono que isso aconteça comigo. Às vezes as pessoas não olham tanto para o desempenho, mas olham para a idade. Acredito que não é a idade que diz se um jogador é bom ou não, se pode render ou não.

Alguma vez pensaste sair de Portugal?




Sim, já pensei. Neste momento não é uma opção nem uma prioridade. Sou uma pessoa super feliz, consigo interligar o sucesso desportivo com a minha estabilidade familiar, que acaba por ser das coisas mais importantes que existe. 

© João Bastos / Mais Guimarães

Quem é o Rui dentro de campo?

[risos] É um jogador de equipa, um jogador que não pensa só em si, mas em tudo o que a equipa pode dar, de forma a que o resultado seja sempre mais importante que a nossa prestação individual. Sereno, tranquilo, mas que quando se enerva… [risos] perco um bocado a cabeça.

“Quando abdicas de algo da adolescência, estás a dedicar algo ao teu futuro.”

Rui SIlva

Um espelho do que és fora de campo?

Sim. Quando era miúdo era pior. Mas acho que uma pessoa, crescendo como pessoa e com tudo o que vamos tendo e aprendendo com a vida, faz-nos mostrar aquilo que somos dentro de campo e fora. Não muda muito.

O que é que dirias a um miúdo que quer um futuro no andebol?

Para não desistir. Uma pessoa tem de viver dos sonhos e tentar lutar por aquilo que sonha e ambiciona. Uma pessoa que está ligada ao desporto tem de abdicar daquilo que os amigos fazem. Mas tens de saber que quando abdicas de algo da adolescência, estás a dedicar algo ao teu futuro.

O Xico é uma boa rampa de lançamento?

Acredito que sim. O Xico sempre teve uma formação muito boa e a prova disso é muitos atletas conseguirem vingar no andebol. Acredito que Guimarães é uma cidade que tem muito talento e que tem muitos miúdos com qualidade.

Quando falas de Guimarães, o que destacas?

Os meus colegas até gozam comigo. Basta dizer qualquer coisa, eu digo “em Guimarães há e em Guimarães é melhor”. Sou um bocado assim, acho que somos todos. Desde um restaurante, à melhor vista, à melhor pastelaria, eu digo sempre que Guimarães tem melhor. Mas a questão do Castelo, acho que toda a gente fica super orgulhosa, e a questão do poder dizer que “Aqui Nasceu Portugal”. É isto que nos move, os vimaranenses têm um orgulho enorme de mostrar às pessoas, e a quem é de fora, o que é Guimarães.

Se tivesses de escolher um sítio em Guimarães, sem ser o pavilhão do Xico, qual era?

Talvez o Centro Histórico. Sou uma pessoa super apaixonada por Guimarães e tenho muito orgulho de ser de cá e tudo o que envolve Guimarães deixa-me bastante feliz.

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