UM MUNDO NOVO COM NOVOS (VELHOS) PROBLEMAS
PAULO NOVAIS Professor de Inteligência Artificial
por PAULO NOVAIS
Professor de Inteligência Artificial
Recentemente, num encontro científico, tive a oportunidade de rever Cristiano Castelfranchi, um cientista italiano que consagra em si o melhor de dois mundos aparentemente desconexos: a Sociologia e a Inteligência Artificial. O Cristiano é um dos raros homens que consegue, sempre de forma brilhante, pensar por outros prismas e ter visões críticas sobre a nossa realidade.
A nossa conversa fluiu, num determinado momento, para o conceito de verdade e, mais em particular, para o facto de nós estarmos a desenvolver tecnologias para descobrir e formular a verdade (uma certa verdade). A verdade que podemos encontrar distribuída na “malha” que hoje governa as nossas vidas.
Focámo-nos nas implicações e no efeito que estes novos “procedimentos automáticos” de geração de conhecimento podem ter sobre a verdade. A este propósito vem-me sempre à memória que Friedrich Nietzsche (século XIX) afirmava que “a verdade é um ponto de vista”.
Nos nossos dias são uns algoritmos “mestres” que descobrem e criam o conhecimento que circula pelo mundo, como diria Pedro Domingos (cientista Português radicado nos EUA), que de algum modo decidem e determinam o que são fontes fidedignas e informação (dados) credível. A utilização, deste tipo de tecnologia, é hoje e no futuro uma inevitabilidade na era da 4ª revolução industrial. Colocam-se, no entanto, algumas questões que nos devem obrigatoriamente fazer pensar.
Quais são as bases (os alicerces) que esses mecanismos utilizam para obter/encontrar o que é a verdade (esta verdade)?
Serão fontes confiáveis, e normalmente convergentes? O “main stream” acabará por dominar com um certo pensamento. Pela quantidade? Algo repetido por muitos poderá ser considerado verdade. Pelo acesso de forma direta ou indireta ao facto (a fonte)? Utilizando como ponto de partida os “valores” das fontes, i.e., aceitando e partilhando os valores da fonte? Não haverá sempre também aqui verdades dogmáticas e a questão das autoridades inquestionáveis. Como por exemplo na cultura, que cultura e valores serão assumidos como os corretos, os bons (os seus ou os meus ou ainda os dos outros)?
Que função/papel pode desempenhar e ter nas nossas vidas e no nosso ambiente esta nova realidade? Em que “alguém virtual” nos sussurrará ao “ouvido” o que devemos fazer ou como nos comportar.
O papel de nosso anjo da guarda, com uma função tutelar, ajudando, protegendo e de algum modo capacitando-nos. Ou um papel menos religioso, o de um simples recomendador que nos aconselha no dia-a-dia, é obviamente um papel menos interventivo. O papel do nosso supervisor/controlador, exercendo um determinado controlo e/ou vigilância. O nosso espírito diabólico (porque não?), em benefício de uma qualquer política de marketing ou monopólio, na forma de uma influência e/ou manipulação oculta de poderes político e/ou econômicos.
A este propósito recordo-me, ainda, de uma famosa atração Romana La Bocca della Verità. A boca da verdade é uma (grotesca) máscara que está em exposição na Igreja de Santa Maria in Cosmedin. Na Idade Média criou-se uma lenda sobre esta máscara funcionar como um detetor de mentiras, acreditava-se que se alguém dissesse uma mentira com a mão dentro da boca da escultura, ela se fecharia “mordendo” a mão do mentiroso. Este é o meu maior receio!
Aproveito esta oportunidade para desejar aos leitores do MAISGUIMARÃES umas boas festas e um feliz ano novo.
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