A PROPÓSITO DO LIVRO “QUANDO PORTUGAL ARDEU” DE MIGUEL CARVALHO

ESSER JORGE SILVA Sociólogo

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por ESSER JORGE SILVA
Sociólogo

A realidade histórica portuguesa vertida no saber quotidiano do cidadão comum tem a particularidade de se construir sem debate. Formam-se teorias a partir da repetição ad nauseum ora de meias verdades, ora de inteiras mentiras, ora de convenientes interpretações. Recentemente o papel de Portugal na edificação da escravatura foi tocada. Mas logo levantaram-se as vozes, não para debater mas para findar a discussão com o frágil argumento de que o Marquês do Pombal dera por finada a escravatura através de um decreto em 1761. Traçado o fim da discussão, o português médio continua a perorar com o que lhe foi ensinado acreditando numa delicodoce colonização portuguesa feita sem violência e sem violações que juntou a casa grande e a sanzala, como escreveu Gilberto Freire para justificar uma pretensa harmonia do luso tropicalismo.

O livro “Quando Portugal Ardeu” do jornalista da Visão Miguel Carvalho tem a particularidade de ser uma luta contra a fabricação da falta de memória. Apresentado na passada sexta feira, o livro levou à Fnac de Guimarães um razoável naipe de assistentes para ouvirem falar de um acontecimento que, desde a primeira hora, foi atirado para as brumas do esquecimento. Desde partidos, polícias, tribunais, juízes e certo setores da igreja, tudo e todos esforçaram-se para fazer acreditar que as mais de seiscentas bombas explodidas em Portugal no ano de 1976 foram coisa que se não deve ensinar, antes pelo contrário, deve ser atirado para o esquecimento.

O problema é que aconteceu mesmo: em 1976, os receios de um governo comunista levou a direita, organizada à volta do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), a perpetrar uma série de assaltos a sedes de partidos de esquerda, ao mesmo tempo que algumas das bombas assassinaram várias pessoas inocentes. As investigações policiais levaram alguns bombistas à prisão mas, é sabido, estes sempre se referiram a uma estadia num hotel, tal as boas condições de vida que lhes foram proporcionados.

“Quando Portugal ardeu” tem esse mérito de trazer ao presente uma tentativa de apagar da memória atos de brutalidade mandados executar pela “nata” dos cidadãos portugueses onde pontificavam empresários, padres e alguns miseráveis sem eira nem beira, usados, manipulados e apresentados como os atores, responsáveis pelo rebentar das bombas. O que mostra este livro é que os verdadeiros mandantes nunca foram conhecidos porque jamais houve empenho em deles saber. Mas, aqui e ali, algumas provas, do qual o livro é fértil, mostram como as ligações da rede bombista foram toleradas por praticamente todos os representantes do Estado.

Por isso só se pode agradecer a Miguel Carvalho. Pelo menos desta vez, quem quiser um livro policial de verão, não precisa comprar um romance. “Quando Portugal Ardeu” é verdeiro, bem investigado, sobejamente pontuado por referências e extraordinariamente escrito. A sua existência retira a possibilidade historiográfica portuguesa de seguir a realidade documental sem cuidar da realidade das práticas. Pelo menos no que diz respeito ao ano de 1976 quando a tradicional direita bombardeou Portugal.

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