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ELEIÇÕES E PERIGOS DO POPULISMO

ESSER JORGE SILVA Sociólogo

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por ESSER JORGE SILVA
Sociólogo

 

Sempre que há um ato eleitoral, seja ele de que natureza for, uma fúria quase animalesca parece tomar conta do espectro, e o areópago que devia ocupar-se de esclarecer é ocupado por uma luta de ditos, reditos, desditos, um gritar de coisas inaudíveis, uma alta produção de afirmações simplórias, básicas, improváveis e uma quase incapacidade para se discernir entre o verdadeiro e o falso, entre o tolerável e o intolerável, entre o verosímil e o inverosímil. Esta é uma realidade a que chegou através da possibilidade de todos poderem afirmar o que querem afirmar no espaço público. Mas tem também os seus agentes catalisadores: os populistas. Estes quebram, atualmente, sem qualquer pudor, uma espécie de regra de ouro da ida ao espaço público, que persistiu durante muitos séculos e que consistia na mostra de capacidade mais ou menos destacada para se ter direito a aí aparecer e residir.

O espaço público já não é um espaço mediado. O advento das redes digitais perverte o espaço público, formando a convicção de que é um espaço a todos aberto e, logo, a todos acessível. Aí, o autor de uma alarvidade é tão legitimado na produção de ignorância quanto Einstein estava certo da teoria da relatividade. A asneira ganha o mesmo valor que coisa certa. Merecer o espaço público está também na base dos que, aí aceites, se prestam a cuidados para aí se manterem. Abordar esse espaço, mantendo reserva do espaço privado era, também, uma obrigação constituída. Mas, na era populista, vive-se o aparecimento de uma nova fórmula de existir.

Os populistas não distinguem entre uma e outra geografia. Nem se questionam. Aliás, os populistas não se interrogam, nunca. Um populista não tem dúvidas. Só tem certezas. Vive na certeza certa de possuir todas as certezas do mundo. Há uma certeza comum a todos os populistas: tudo para trás está mal. Sem ele, o futuro será igual ao passado; uma modorra. Com ele, tudo para a frente será ótimo. Um populista não carece de plano. Ele é o plano. Tudo se resume a convicções baseadas na simplicidade.

Como agem os populistas? Usam a teoria da catástrofe. Ou eles ou o caos! Enfrentam a realidade como se esta fosse uma construção malévola de todos os agentes construtores dessa realidade. Tal como na Coreia do Norte de Kim Jong-un, com ele chegarão “os amanhãs que cantam”. Tal como Mao Zedong, na China, mata-se uma cultura ancestral, milenar, para impor uma radical cultura de plástico. Tal como os liberais tentaram recentemente, em Portugal, impõe-se uma “destruição criativa” e das cinzas erguer-se-á o novo. A grandeza é a ideologia do populista. Depois dele tudo será grande. Sigamos Trump: “make America great again”.

Para os populistas os males do mundo são uma criação de gente que só quer o mal do mundo. Pelo contrário, segundo o seu olhar, o populista não fará mal ao mundo. Aliás, com o populista, como por milagre, o mal afasta-se do mundo. Ele, populista, traz consigo, algures escondido, uma receita, que nunca revela. É certo que afirma, aos gritos, possuí-la, mas nunca a revela. Nem pode revelar porque o populista não imagina o mundo em dinâmicas contrárias. Seria demasiado pedir ao intelecto populista que imaginasse algo mais para além da sua sedentária imaginativa. Para o populista, toda a imaginação para além da sua, é pura especulação. Contingências não entram no seu discurso. Se a bola vai bater mais vezes nos postes e sair ao lado. Se a psique da derrota se impõe e a psicologia da vitória se esfuma. Se se está perante a lei de Murphy – uma coisa correrá mal se tiver de correr mal – Não! Isso não acontecerá ao populista. Como um extraordinário guarda-redes, ele desviará bolas da baliza com um golpe de vista.

Um populista não tem meio-termo. Vai, seguramente, ganhar. Sabe o caminho, que mais ninguém sabe, para vencer. Afirma-se pela crença. Não precisa provar. Ele acredita e, porque acredita, o presente só lhe dá a ver a sua crença. A certa altura acredita tanto no que afirma que passa a apresentar-se como uma santidade. Um endeusado. Um mago que jorra ouro em tudo o que toca.

Os populistas não têm passado. Não têm história. As soluções populistas resolvem-se sempre com o novo. Todo o acontecido é um sepulcro que, com a sua presença, nunca teria ocorrido assim. Teria sido melhor. Um populista afirma-se sempre como o dono do futuro: ele é que sabe. Ele é que sempre soube. Aliás, o populista dá-se sempre um ar de agente disruptivo, possuído pela vertigem da velocidade supersónica. Funciona como uma improbabilidade. Como se desliga dos dados históricos, um populista afirma-se por uma estatística particular, sem base real, cujo formulário só ele conhece. Claro que, não havendo passado, é uma estatística só de futuro cujos cálculos resultam sempre em super resultado e em híper crescimento.

Os populistas erram muito. Erram nos números. Erram nos cálculos. Erram nas premissas. Erram nas inferências. Erram nas conclusões. Erram nos planos. Erram nos resultados. Erram como respiram. Mas o seu erro não os assusta. Não os trava. Um erro, dois erros, muitos erros são coisas de somenos num populista. Como nunca admitem errar, o seu erro só tem consequência nos que nele votam. Aparentemente, um populista não se dá conta da sua falta de reconciliação com o mundo. O mundo de um populista aliás, fica mesmo ali abaixo, próximo da cintura, num pequeno botão chamado umbigo. É preciso estar atento e ter muito cuidado com eles.

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