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CAMÕES, SHAKESPEARE… E A CHUVA DE ABRIL (ÁGUAS MIL

PAULO CÉSAR GONÇALVES Dramaturgo

avo

por PAULO CÉSAR GONÇALVES

DramaturgoO céu era, para si, um local demasiado pacífico. Para almas inquietas, tornava- se bastante difícil. “Onde estão os mouros? Porra, nem que seja para jogar ao esconde!” – desabafa o arquitecto de Portugal.

Dom Afonso Henriques, “o Conquistador”, “o Fundador”, deitado à sombra de um carvalho (sim, porque no Céu também há carvalhos…e sol!), aborrecido como tudo. Já por ali tinha passado São Nicolau, de caixa em punho.

“Ó Afonso, vens ensaiar comigo?” – perguntou-lhe em tom desafiador.
“Já não falta muito!” – completou. Dom Afonso sorriu.
“Santinho, falta quase um ano. As feridas deste que passou ainda nem sararam.
“Vá o Senhor.” – respondeu- -lhe o Henriques. O Nicolau abanou a cabeça, sorrindo sarcasticamente enquanto dali abalava. Foi ter com o Nicolino Mor, que, impacientemente, o esperava.

Havia o futebol, mas Dom Afonso nunca era convocado.

“Vai tratar desse joelho!” – recomendava São Pedro, o treinador da equipa celestial. Como se sabe, El Rey havia dado cabo de um dos seus joelhos num dos ferrolhos das portas de Badajoz (em 1169).
“E o Eusébio?” – lembrava.
“O Eusébio chutou bolas de dois quilos. E tu?” – rebatia Pedro.
O rei voltava costas e ia cortar árvores com a espada, a ver se acalmava “o nervoso”. Rezar, jogar à sueca, jogar ao “trincolé” (a não ser que fosse com moças), comer, beber… tudo o aborrecia. Recusara o convite do Elvis e do Jimi Hendrix para fumar um charro. A Amália Rodrigues e o Carlos Paredes tentaram levá-lo a uma sessão de poesia com Camões e Pessoa, mas ele declinara. O John Lennon e o George Harrison incentivaram-no a formar, juntamente com eles os dois, uma banda, os “REITLES”, na qual ele ocuparia o lugar de Paul McCartney e El Rey Dom Dinis supriria a falta de Ringo Starr na bateria. Nada feito!

Era tudo demasiado “soft” para o Original Português. Até que… Movido por um impulso, o Real Tolo decidiu ir até ao sítio mais parecido com a Penha que o Céu tem: o popular “Monte do Amor”. Sorrateiro e manhoso, escondeu- se num arbusto. Daí, viu Dom Pedro e Dona Inês de Castro aos beijos na boca. Sentiu um bafo ofegante a seu lado: era Camões, vindo da sessão de poesia.
“Surpreso? Tenho de vir buscar inspiração a algum lado…” – diz-lhe o Príncipe dos Poetas.
” Sim, mas com esse olho, vês tudo pela metade!” – remata, entre dentes, o Rei. Camões olha-o (só com um olho) de canto. Estavam já Pedro e Inês prestes a contrair uma constipação, quando um duo chega apressado. Quem? O Presidente Kennedy e Marylin Monroe!
“Aquela moça! Eu já tive um poster daquela moça nos meus aposentos!” – exclama El Rey, agarrando o braço do “mirolha” mais famoso da História de Portugal.
“Ela tem um sol habitando-lhe os cabelos!” – acrescenta Luís Vaz, emocionado. Dom Afonso olha-o, fixamente, e pede- -lhe, quase em jeito de ordem:
“Luís, eu, Afonso, filho de Henrique e Primeiro de Portugal, encarrego-te de conseguir arranjar um encontro entre mim e aquela moça. Faz-te valer da tua eloquência, dos teus versos… Olha, sei lá, tens de conseguir, custe o que custar!” Camões, espantado, tenta articular as palavras certas:
“Mas, meu Senhor, eu não falo inglês…”. Dom Afonso não cede: “Arranja-te. Lembra-te, escreveste ‘Os Lusíadas’ à minha pala…esta parte da pala foi sem ofensa.” Camões resigna-se ao seu fado. Não tem outro remédio. El Rey Dom Afonso Henriques tornara-se caprichoso, fruto de seu grande crédito e glória. Começou a engendrar um plano para poder chegar até à loira mais famosa de sempre. Seguiu-a durante uns tempos, ficou a conhecer-lhe as rotinas. Conseguiu provocar uma zanga entre ela e Kennedy (fez uma tosca montagem de fotos, onde juntava, no “Monte do Amor”, o presidente americano com Jane Russell, antiga companheira de filmes da actriz. Enfiou a montagem num envelope e fez com que a mesma chegasse às mãos de Marylin). Falou com Shakespeare e pediu ao distinto dramaturgo inglês para que este lhe servisse de intérprete/tradutor. O bom do William, que sabia o bastante de Português, fruto da leitura das obras de Mestre Gil Vicente, acedeu com entusiasmo. Altura marcada, rotinas já mais do que sabidas.

Vem Marylin toda lampeira, de vestido branco esvoaçante. Saem-lhe ao caminho dois sujeitos pomposos. De início, ainda pensou tratarem-se de dois travestis. Mas não. Logo reconheceu Shakespeare. “Oh…Sir William. Such an Honour…” (Oh Sir Wiliam, quanta honra…). Shakespeare faz vénia e beija-lhe a delicada mão. “Lady Monroe, this is Camões, the greatest Poet that ever lived.” (Senhora Monroe, este é Camões, o maior Poeta que alguma vez viveu.) – explica. “Oh, delighted.” (Encantada!) – acrescenta Marylin. Camões não percebe nada daquilo, mas sorri, cortês. “Luís Vaz de Camões, de Portugal, ao seu dispor, Senhora.”- acrescenta. Shakespeare trata de traduzir. (A conversa decorre aos solavancos por causa das diferenças linguísticas.) “Uuuuuh, I Love Portugal…i’m sure it will be a pleasure to meet your King.” (Uuuuh, adoro Portugal…tenho a certeza de que será um prazer conhecer o seu Rei.) – conclui Marylin Monroe, após Camões ter explicado, com a ajuda de Sir William Shakespeare, quais as suas intenções (que eram, na verdade, as do Rei). Já se preparava o Poeta Lusitano para declamar uns versos, quando a americana lhe faz uma pergunta inesperada:
– What happened to your eye? (O que aconteceu ao seu olho?) Shakespeare traduz. Camões responde, dizendo que se trata de uma longa história. Após a devida interpretação, Marylin assente. O encontro é marcado. Antes da despedida, a declamação: “Quem vê, Senhora, claro e manifesto O lindo ser de vossos olhos belos, Se não perder a vista só com vê-los, Já não paga o que deve a vosso gesto…” DIA MUNDIAL DO LIVRO CAMÕES, SHAKESPEARE… E A CHUVA DE ABRIL (ÁGUAS MIL) 15 PUB Shakespeare esforça-se por imitar Camões no ímpeto e na entoação e, para melhor encarnar o papel, pega numa folha de árvore e tapa uma das vistas. Camões olha-o, trocista. Marylin está derretida. Não perde tempo Camões. Despede-se primeiro de Marylin. Depois de Shakespeare. Promete ao amigo William que arranjará um autógrafo de Gil Vicente. Parte em seguida. Vai contar a boa nova a Dom Afonso Henriques. O Rei, não surpreendentemente deitado num campo, bramindo a espada para lá e para cá, recebe-o, expectante. – Então? Há boas novas? “Muito boas, Senhor. Ela acedeu a encontrar-se consigo.” – responde o maior dos Poetas. – Luís, vou mandar construir uma estátua do tamanho da Torre Eiffell com a tua figura! Louvado seja Deus! – grita Afonso. Deus, que estava por ali perto, fura uma nuvem com a cabeça e avisa o Rei Português: – NÃO DIGAS O MEU NOME EM VÃO!- e desaparece. Dom Afonso nem liga. Pergunta a Camões o local do encontro. O Poeta explica-lhe que o mesmo se dará no célebre “Monte do Amor”, junto ao reservatório das águas celestiais, a casa de São Pedro. Afonso torce o nariz, pois não se dá com aquele santo. Querelas futebolísticas! A verdade é que o encontro, e Ele sabia-o, valia bem o sacrifício.

Camões relembra El Rey de que Marylin fala em inglês. Como a iria entender? Afonso responde-lhe que “a linguagem do amor é universal”. Uma resposta “à Camões”, portanto. Está a chegar o momento. Dom Afonso prepara-se. Lava os dentes, ajeita a cabeleira e penteia (penteia!) a barba. Põe o cinto, depois a espada. Estende a capa pelas costas. Perfume? O natural. Dirige-se para o local. À chegada, começa a imaginar o momento de a beijar. Ganha inesperados calores. Memórias de Mafalda, de Flâmula ou de Chamoa percorrem-lhe a mente. Memórias de tantas outras. Ali perto, num dos arbustos, já Camões se escondia. Viera, pois claro, reclamar o preço da sua demanda. Achava ele que tinha direito a assistir ao enlace. Trouxera Shakespeare consigo. Chega Marylin. Uma rajada de vento levanta-lhe o vestido. Dom Afonso consegue ver, ainda que ligeiramente, as cuecas da moça. Aproxima-se dele com olhar de menina marota. “Já vais levar ‘tatau’.” – pensa o Rei Português, todo sorridente. “Hello” – diz-lhe ela. “Para ti também” – responde ele, ávido de desejo. “So, Afonso is your name…” (Então, chamas- te Afonso…) – continua Marylin, em jeito desbloqueador de conversa. “Queimei-me? Não, mas já ardo de desejo!” – retribui o primeiro dos Portugueses, lançando-se, em seguida, para os braços de Marylin, que o agarra com grande vontade.

Atrás do arbusto, Camões sorri, acotovelando Shakespeare. “Isto vai aquecer.” – diz-lhe. Com a força não controlada da cotovelada, Luís acaba por fazer desequilibrar William Shakespeare, que cai com aparato em cima da planta. Afonso, apesar de estar já envolvido em termos românticos com Marylin Monroe, escuta aquele repentino basqueiro. Afasta os braços da actriz e desembainha a espada. Quando o faz, levanta-a em demasia e, com a impetuosidade do impulso, fura um dos canos do reservatório. Vira-se na direcção do cano. Camões e Shakespeare aproveitam para fugir. A água começa a jorrar. Marylin, frágil, é levada pela corrente. Afonso agarra-se a um forte ramo de uma árvore. Consegue ouvir Marylin chamar por si. Vê, bem mais longe, Dom Pedro e Inês de Castro, desnudos, com a água pelos joelhos. El Rey grita às pessoas que passam: às que o fazem a pé, nos sítios mais elevados, e às que seguem bem mais junto de si, arrastadas pela água: – Algum de vós é canalizador? “Não, eu sou DJ!”; “Eu também!”; “E eu.” – respondem.

A água começou a cair do céu. Incessantemente. Até hoje e, sabe-se lá, até quando! NOTA: Quando agregadas à imaginação apalermada de determinados autores, as leituras dos grandes clássicos (de Camões, Shakespeare, entre outros) podem dar origem a textos como este. Benditos sejam os livros para todo o sempre! •  Por expresso pedido do autor, este texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa.

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