O SANTÍSSIMO ACIDENTE

PAULO CÉSAR GONÇALVES Dramaturgo

avo

por PAULO CÉSAR GONÇALVES

Dramaturgo

UMA HISTÓRIA DE CONTORNOS ROCAMBOLESCOS (TODAVIA QUASE VERÍDICOS)

Novembro de Dois Mil e Quinze. Decorria, em parte incerta, mais uma reunião de Santos. Sempre que os equinócios e solstícios se dão, os Venerados reúnem-se para discutir coisas tão importantes como os salmos, as missas, os Homens, a política, a filosofia, o futebol, as mulheres, etc.

Não raras vezes, estas reuniões resultam em acesas e inflamadas discussões, quase levando os intervenientes a vias de facto. É nessas alturas que por lá aparecem Deus e, às vezes, Jesus Cristo. Só Eles têm mão naquela gente!

Todo e qualquer ajuntamento é anunciado aos demais por convite, ainda que os mesmos já o esperem, por meio da santíssima graça e providência.

Há muitos e muitos anos que uma sequiosa criatura anseia participar naquele repasto de ideias, impressões e berros. O seu nome? Afonso. Dom Afonso Henriques.

Ora, por que raio é que o Arquitecto de Portugal, o Pai da mais relevante Parte do Mundo, quer participar numa reunião de Santos Homens? A resposta é simples: o Maior Português da História considera-se um deles!

A História é simples e conta-se em poucas linhas: El Rey Dom Afonso Henriques, cognominado de “O Conquistador”, esteve quase quase para ser beatificado. Ok, ele matou mouros (S.Tiago fez o mesmo), foi bravio para a mãe (Jesus não foi diferente), mentiu ao Papa (São Pedro enfiou três petas de seguida), deixou Guimarães (São Dâmaso e São Gonçalo são cúmplices de igual dislate), envolveu-se romanticamente com várias moças, apesar de casado (pois…), etc etc etc.

O que é certo é que no Século XVI, por ordem do Rei Dom Manuel, o seu túmulo em Santa Cruz foi aberto, por forma a que os restos mortais fossem trasladados para outro jazigo mais elaborado e consentâneo com a sua condição de Fundador da Pátria.

Para espanto de todos os que assistiram à abertura da urna, o corpo do Magnífico Regente encontrava-se intacto.

– É Santo! – ecoaram, imediatamente, vozes.

Conta-se que o processo de beatificação logo foi equacionado, mas o Sempre Invicto nunca veio a ser considerado Santo, ficando-se pelo quase.

Valha a verdade, Dom Afonso Henriques nunca deu grande importância a meras formalidades e simples papéis e, como tal, no seu íntimo, achava que merecia ser santo como qualquer outro.

Certa vez, zangou-se com Jesus Cristo. Jesus insistia que lhe indicara o caminho da vitória em Ourique, quando lhe aparecera na Cruz. Dom Afonso defendia que o Crucificado, com a mania de aparecer sem ser convidado, quase pôs a sua vitória em causa, distraindo-o com truques dignos do Merlin. Deus preferia não se meter nestas desinteligências, ocupando o seu tempo com passeios pela Penha, esse miradouro do longo Portugal verde.

Aborrecido de morte (mesmo!), El Rey engendrou um plano de modo a conseguir assistir à reunião. Como São Vicente tinha uma dívida de gratidão para com o Poeta da Espada (fôra por vontade de Dom Afonso que as relíquias de São Vicente seguiram do Algarve para Lisboa), aceitou ajudar o manhoso Monarca.

Vicente, como padroeiro do Vinho, era o responsável pelas bebidas nestas reuniões. Sugeriu a Afonso que se escondesse dentro de uma das suas pipas. A ideia não era virgem, uma vez que tinha sido dessa exacta forma que Dom João I tomara a Vila de Cima de Guimarães (quando Guimarães se encontrava dividida em duas vilas).

A ideia soara perfeita ao Grandioso Afonso. O entusiasmo inundara-lhe o olhar. Ia finalmente poder entrar no Consílio, ainda que tivesse de manter o disfarce.

Chegara finalmente a hora. São Vicente dera ordem para que uns moços viessem carregar os barris de vinho. O Invicto ‘Ibn Ariq’, sempre munido da sua invencível espada, escondera-se dentro de um barril que exalava forte cheiro a aguardente. Ficara bêbado por inalação!

Os moços descarregaram os barris no local indicado. Mal se afastaram, o fabuloso Inventor de Portugal eliminou uma das paredes de madeira com um golpe de espada e respirou algo que não aquele fedorento cheiro. Sorrateiro e subtil (como em Santarém), escondeu-se numa das salas contíguas ao Anfiteatro das reuniões.

Ainda não tinha chegado nenhum dos ocupantes de altares das igrejas do mundo, mas já lá se encontrava a equipa de produção do evento. Afonso não acendeu a luz para não dar nas vistas.

“QRRRRRRRRRRRRRRRRRÉC…” – ouviu-se, com grande eco. O Lusitano Sansão tirou o telemóvel do cinto da sua armadura, clicou numa das teclas, acendendo uma ténue luz. Apontou para o chão e viu, com grande embaraço, um telecomando partido. Nele, a seguinte inscrição:

“CONTROLADOR CLIMÁTICO DE PORTUGAL”

por pedido expresso do autor, este artigo não obedece às regras do novo acordo ortográfico

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