SOBRE A IMUNDICE DOS ‘WC’ DOS HOMENS

ESSER JORGE SILVA Sociólogo

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por ESSER JORGE SILVA
Sociólogo

Uma advertência ao leitor: esta conversa cheira mal. Vai escrita sob forma realístico-pestilenta, odorentemente fedorenta. Mais do que uma conversa de caca é uma conversa sobre pessoas e a sua excreção. E só aqui vem parar porque, acabado de entrar numa casa banho de um bar em Mirandela o inusitado, o inesperado, e a surpresa mostram-se sob todo o esplendor na cena de um alarde de caca jorrada em praticamente todos os pontos cardeais. Note-se que não se trata de acusar o bar de falta de higiene. Percebe-se que por ali há preocupações de limpeza. Observando desinteressadamente o balcão e a disposição do bar nota-se ali preocupação com a análise de risco e controlo dos pontos críticos, vulgarmente inscrita na sigla HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points) inventada pela NASA e a empresa Pillsbury. O problema da imundice que aqui se trata deve-se ao humano e a sua noção de toilete. Não é questão de quem limpa mas a quem consegue artes de medrar ainda mais a intensidade mal cheirosa das suas fezes.

É um cenário de imundice alargada onde o mau cheiro se amplia num quadro de remexida porcaria que avançou para além da louça para pousar em toda a envolvência. Para que a matéria-prima excrementária alargasse o seu poiso nas formas pretensamente artísticas com que ali se expressa, foi necessária não muita ginástica mas um talento específico de pessoa forjado em profunda educação na arte do manuseio de dejetos. Só um manifesto e competente porco, alguém que envergonha um suíno que se banha no esterco, consegue um efeito assim tão completamente desenhado de imundice. Observado não se consegue perceber como é possível alguém civilizado dar-se a um trabalho daqueles. Como se faz algo assim e se sente bem com a vida?

Não se pense que esta descrição é isolada. Este quadro é mais do que recorrente. Nas casas de banho públicas onde a limpeza se faz em intervalos mais longos há sempre, pelo menos uma divisão sanitária onde evacuar não se limita ao ato fisiológico, alongando-se à maldade na forma emporcalhada. Só se pode atribuir esta arte da manipulação da escória à vontade humana de se ser mosca. Sim, porque estes ínsitos mostram-se os mais competentes tanto no mexer como na intensificação do perfume pestilento e fétido da merda.

Como podem estes indivíduos encontrar prazer neste tipo de atividade é um enigma. Admito que tal ocorra por alguma patologia. Mas é evidente que, face à necessidade de esforço, espalhar e pintar um espaço com as próprias fezes só pode ter como objetivo estragar, destruir, danificar. Estamos perante alguém que, manifestamente, se quer vingar de qualquer coisa e nem se dá conta que, na realidade, transforma em excremento visível a merda da sua frustração. Posto perante este tipo de cenário, só se pode compreender os espaços comerciais que tudo fazem para perder a chave do seu espaço de necessidades fisiológicas públicas.

Não tenho dados para aludir à casa de banho das senhoras. Nunca vi. Rumores dizem-me que também há cenários enojados pela falta de asseio de quem, aparentemente, ali vai assear-se. Mas o espaço público de higiene social dos homens é uma vergonha. É certo que, em alguns aspetos, devemos levar em conta a anatomia. Como muitos não gostam de mictórios, apontam para a sanita. Há aqui todavia um problema: as primeiras águas dos homens são incontroláveis. Não há como planear o percurso. Quando o esforço resulta e se dá a ignição, o expelir segue pontos cardeias diversos e nunca repetidos. A imundice alarga-se assim ao xixi. Não são só salpicos mas lagos de urina besuntando a loiça. E é ver poças fétidas ali paradas em fermentar nojento. Ora melhor fariam esses homens em sentarem-se convenientemente onde é de sentar. Faz lembrar as senhoras? Que diabo, quem não quer ser lobo que não lhe vista a pele. É só perder a vergonha dos olhares laterais de comparação do tamanho.

Uma sociologia da casa de banho não é habitual. Os sociólogos chafurdam muito mas não aí. Desconhecem-se abordagens com base nos W.C. Aliás é bom recordar que entre a expressão ‘casa de banho’ e a sigla inglesa de Water Closet situa-se um mar de distâncias. Portugal gosta de eufemismos: vai-se à casa de banho do shopping onde na verdade há tudo menos banho. Outros tempos, quando caíamos para galicismos e a área estava reservada à elite dizia-se a toilette. Ir a uma casa de banho era então coisa chique. Chegada a civilização junta com a democracia investiu-se na edificação de casas de banho. Agora é impensável não ter uma em casa. Mas, está visto, não se investiu o suficiente na transformação das consciências. Algures em algumas mentes reside ainda a ‘retrete’, área onde o povo se desfazia do pouco que comia, limpando-se – quando se limpava – numas folhas de vide. É essa malha mental que ainda hoje subsiste e apresenta competências práticas tão reprovavelmente imundas.

As casas de banho de algumas atividades comerciais públicas oferecem um momento de uso privado. Com essa solução os Estados afastaram-se de uma obrigação que já foi sua, transferindo-a para privados. A utilização de uma casa de banho constitui um custo invisível que o utilizador não paga. Com esta solução estatal a casa de banho passou a ser um espaço público oferecido por privados. Em simultâneo autoriza a privacidade por instantes para, logo a seguir, se abrir em espaço a público. Indo à uma casa de banho dessas o indivíduo experimenta algumas transformações de sentido: entra em estado de intimidade mas não em posse privada. Nada dali é seu. É tudo emprestado e só para uso momentâneo. Mas porque o espaço que lhe é dado usar é sempre público, a única obrigação é deixar toda a superfície nas mesmas condições de uso que o encontrou, considerando que a limpeza é o ponto de partida.

 

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