FUTUROLOGIA – UM EXERCÍCIO AMALUCADO E ATÉ MAL CHEIROSO

PAULO CÉSAR GONÇALVES Dramaturgo

por PAULO CÉSAR GONÇALVES

Dramaturgo

Estamos no início de Dezembro de Dois Mil e Catorze. Para além da proximidade do Natal, vive-se em Guimarães a época Nicolina. É dia do Pregão. Três figuras taciturnas, cobertas por capa pretas com capucho, fazem-se passear por entre os estudantes e demais presentes apeados defronte do antigo Liceu de Guimarães, hoje em dia Câmara Municipal. Toda esta gente escuta com atenção o declamar da popular récita:
(…)
“Acordai, Mortos, é chegado o fim,
O Mundo poderia acabar assim!”

O Pregoeiro, do alto de uma das varandas da fachada, dá o grito final. No instante seguinte, os estudantes atiram-se ao barulho, castigando as peles das caixas e dos bombos.

Uma das três figuras olha, parada, o Pregoeiro. As outras duas, que seguiam já mais à frente, voltam para buscá-la. Esta, pressentindo o intento, faz-lhes sinal com a mão: que esperassem só mais um pouco. Por fim, junta-se aos companheiros e segue.

Quem serão estas três figuras e o que pretenderão? A resposta dá-se da seguinte forma:

Está a chegar o fim do ano. Começa a fazer-se o balanço de Dois Mil e Catorze, mas também a antecipação de Dois Mil e Quinze. Como será? O que nos esperará? Será bom? Será fraco? O terreno é fértil para os adivinhos, para os médiuns, para os cartomantes. Vendo nisso uma oportunidade, uma “bruxa” decidiu lançar-se nas artes divinatórias. Para tal, confiou a três fiéis colaboradores a parte da divulgação. A primeira sessão seria (só) por convite, e coube ao trio a entrega dos mesmos de forma mais ou menos eficaz.

A coisa revestia-se de algum secretismo. Rezava assim a mensagem inscrita em cada um dos convites:

“ SAUDAÇÕES,

MADAME CONQUISTA e sua assistente DONA MÚMiA convidam vossa excelência para a primeira sessão de previsões futurológicas. A mesma decorrerá no próximo dia 2 de Janeiro de 2015, no monte da Penha (na terceira encruzilhada a contar do “Penedo que abana”).

A hora será confirmada posteriormente (este convite contém um cartão. É favor introduzi-lo num aparelho móvel, mas apenas a partir de 1 DE JANEIRO DE 2015. Às 23:50 do supracitado dia receberá a confirmação da hora da sua sessão).”

Gil Vicente, o Engenheiro Hélder Rocha (o Nicolino Mor) e Dom Bibas (o Bobo) haviam sido o “correio” utilizado. A coisa correra razoavelmente bem, excepto um pormenor:

Estava Dom Bibas todo entusiasmado a deixar um dos convites quando foi atacado por um desvairado cão. Ao bicho terá chamado a atenção o som do guizo do truão celebrizado por Alexandre Herculano. Foi um ver se te avias!

Dom Bibas, que de rápido pouco tinha, tentou salvar a pele a todo o custo. Com a atrapalhação, acabou por deixar cair dois dos convites que tinha a seu cargo. Conseguiu salvar-se, mas achou por bem não contar o lapso a ninguém.

Regressado o trio para junto da “grande maga”, é dada a grande novidade: o plano estava em marcha. O Nicolino Mor queixa-se pelo facto de não ter conseguido ouvir o Pregão todo.

(Quatro semanas se passaram: Planos e mais planos; comida; bebida; mais bebida; cursos de tarot; meditação; ainda mais bebida; reiki telepático; levitação colectiva; sessões de hipnotismo com vacas; celebração do Natal; yoga compulsivo; astrologia para principiantes; workshop de leitura do futuro em excrementos; formação teatral em quartos de hora; passagem de ano; Ano Novo.)

2 DE JANEIRO DE 2015

A espera havia sido grande, mas valera a pena. As mensagens tinham sido entregues com sucesso. Na terceira encruzilhada a contar do “Penedo que abana” a expectativa era muita. Estava a tenda (literalmente) montada. Lá dentro, MADAME CONQUISTA e sua assistente DONA MÚMiA, sentadas, esperando o primeiro “cliente”.

Madame CONQUISTA usava um turbante azul e uma túnica branca. Um véu escuro cobria-lhe a face. Dona MÚMiA, por sua vez, usava turbante branco e túnica azul. Tinham um ar extremamente sensual.

Surge, do meio do mato, o bobo Dom Bibas fazendo o papel de anfitrião. Com ele, o primeiro convidado: o Presidente da CMG, Domingos Bragança.
Após as formalidades, o Senhor Presidente senta-se. Disse que a coisa teria de ser rápida. Madame CONQUISTA dá um murro na mesa:

– Eu é que sei o tempo que demora, ouviu?

– Desculpe, desculpe. Como preferir.

– Ah, assim está bem. Chegou a horas, Senhor Presidente.

– É, estou curioso. Mas, diga-me, o consultório vai ser sempre aqui?

DONA MÚMiA – Não. É provisório. Queremos mudar-nos para o Castelo.

(MADAME CONQUISTA olha para DONA MÚMia com espanto)

– No castelo? Isso é ambicioso, não? Mas gostei do vosso convite. Aguçou-me a curiosidade.

– Quisemos começar em grande. Senhor Presidente, vamos começar?

– Sim, pode ser.

– Vou concentrar-me. MÚMiA, põe a tua mão sobre a minha.

(Madame CONQUISTA fecha os olhos e começa a emitir um som equivalente a um zumbido. Dom Bibas deixa fugir dois sonoros gases. MÚMiA olha-o, furiosa. O Presidente sente-se inquieto.)

– Então? O que vê?

– Vejo uma luz muito forte…

– A sério?

– Sim. Olhe para ali (aponta). É o sol.
(MÚMia ri-se)

– E que…

– Este ano vai ser duro. E um bocado fedorento.

Dom Bibas, que estava a fazer necessidades sólidas no meio do monte, sente-se atacado.

– Ó MAJES…Ó Madame, escusa de ser assim. Não cheira nada por aí além…

– Está calado, eu não falava para ti. Vai ser um ano fedorento por causa do Rio de Couros. (Olhando para o Presidente) Ó Senhor Presidente, aquilo nas Hortas está do pior.

– Eu sei, eu sei…mas, olhe e que mais me conta?

– O que quer saber?

– O habitual: saúde, amor, política…

DONA MÚMiA, com os braços erguidos – AbaçãoAbaçãoAbaçãoAbação-ão-ão-ão-ão

PRESIDENTE, surpreendido – É a minha terra…

– Silêncio! É uma oração. Ela está a concentrar-se. De seguida, dar-me-á a mão e a informação vinda do TODO PODEROSO passará para mim.

(Dona MÚMiA dá a mão a Madame CONQUISTA. Esta fica toda tremeliquenta e revira os olhos)

– UUUUUUH! BRRRRRRRRRRRRR…PRESIDENTE…Ó MINGOS…GRANDES COISAS SE AVIZINHAM…

(O Presidente assusta-se. Madame CONQUISTA agarra-o pelo casaco)

VEJO CAMIÕES…E CARROS…GUIMARÃES, CAPITAL EUROPEIA DO TRÂNSITO… (muda a expressão) mas vejo problemas também…Senhor Presidente, a sua saúde corre perigo!

(MÚMiA segura a mão de CONQUISTA)

PRESIDENTE, bastante preocupado – Corre?

– CORRE! VAI-SE ENGASGAR A COMER UMA LARANJA LÁ PARA O MEIO DO ANO…

– É só?

– SIM. ACHA POUCO?

– Isso não é nada por aí além. Já me aconteceu…
– AI FOI? ENTÃO NÃO LHE DIGO MAIS NADA…

PRESIDENTE, apaziguando – Não, não…Por favor continue…E o amor?

– Irá viver momentos de grande romantismo com a sua mulher. Lembre-se que ela passa muito tempo sem o ver, você passa a vida no trabalho.

– É verdade…

– Tem de a compensar…

– É verdade…

– Ofereça-lhe um gato.

– Um gato? Só?

– Faça-lhe surpresas, como no tempo em que ainda eram solteiros…

– Naquele tempo eu tinha mais cabelo…


– Isso não são desculpas! Mas ainda há mais…

PRESIDENTE, olhando para o relógio – Tenho de me fazer ao caminho. Já se faz tarde. Podemos continuar noutra altura?

MADAME CONQUISTA, soltando-se da mão de DONA MÚMiA – Oh…já vai? Entendo, é um homem ocupado. Contactá-lo-emos, esteja certo disso. (Olhando para Dom Bibas) BOBO, acompanha o Senhor Presidente.

Dom Bibas, ainda a ajeitar a fatiota, acompanha o edil Vimaranense por entre o mato e restante vegetação. Pelo caminho, o presidente urtiga-se duas vezes e pisa um poio seco. Dom Bibas troça da situação.

Na tenda, já se prepara a vinda de outros convidados.

DUAS HORAS DEPOIS

Pelo improvisado consultório passaram já Júlio Mendes e Rui Vitória, respectivamente Presidente e treinador do Vitória Sport Clube. De lá saíram com largos sorrisos. Pior foi depois: guiados pelo manhoso bobo, caíram ao mato. Passara também o maior ícone da música rock vimaranense: BINO CHOURIÇA. O pitoresco vocalista acedeu com gentileza ao convite e procurou saber novidades sobre o ano que começava. Revelou o desejo que lhe consumia a mente: integrar os VIRAR DASQUINA.

Está Madame CONQUISTA à conversa com Dona MÚMiA quando se começa a fazer sentir um enorme vendaval. A tenda vai logo à vida. Ficam apenas as cadeiras e a mesa. Gil Vicente e Dom Bibas, que estavam a jogar ao esconde, correm para junto das “videntes”.

– É O FIM DO MUNDO!
– É UM TORNADO!
– Oh, é um helicóptero…

E era! Um helicóptero preparava-se para aterrar ali ao pé. Num instante, está cá fora um moço cheio de brilhantina no cabelo. Vem vestido com um impecável fato de gala e calça…umas chuteiras. É o Cristiano Ronaldo!

MADAME CONQUISTA – Não estou a perceber…Ronaldo?

CRISTIANO RONALDO – É verdade, sou eu mesme…Crestiáde Redálde!

DONA MÚMiA – O que estás aqui a fazer? Não foste convidado…Estamos à espera do Dr. António Magalhães (Antigo Presidente da Câmara).

(O Bobo começa a assobiar)

Ronaldo puxa de um envelope e apresenta o convite. Explica a todos que um menino de Guimarães lhe havia enviado o mesmo dentro de uma carta. Madame CONQUISTA percebe que o “correio” lhe escondera algo. Ela promete averiguar até ao último pormenor.

– Bem, uma vez que aqui estás, vamos lá a isto. O que queres saber?

– Eu “penso que” quero saber se irei ganhar a bola de ouro novamente. E se o “mésse” acaba a carreira. Ah, e mais importante: estive a pensar, e penso que seria importante cada cidade do país ter uma estátua minha. Aqui em Guimarães podiam substituir a estátua do Rei Afonso Henriques, que já é velha, por uma minha. Acha que as pessoas aceitariam?

Dona MÚMiA leva as mãos à cabeça. O Bobo tapa os olhos. Gil Vicente foge para Polvoreira. Madame CONQUISTA despe a roupa. Logo surge uma farta barba, assim como uma espada e uma cintilante armadura. O espanto é grande. MADAME CONQUISTA era, na verdade, El Rey Dom Afonso Henriques disfarçado. Este dá uma golpada (de espada) na mesa, desfazendo-a.

DOM AFONSO, furioso – O que é que tu disseste?

O Ronaldo depressa se levanta da cadeira e corre para o helicóptero. Dom Afonso Henriques segue-o, mas uma armadilha (do Bobo) com o propósito de gozar com o craque português nega-lhe os intentos. Dom Afonso acabava vítima indesejada. Quanto a Ronaldo, pisgou-se dali para fora.

Dom Afonso jazia desconsolado, cheio de pó na boca. Dona MÚMiA, que era na verdade Mumadona Dias, desfaz-se das roupas.

– Tens muito para me explicar, Bobo.

O Bobo, todo arrependido, apresenta mil perdões. Ele conhecia o lendário mau feitio de Dom Afonso. No meio de toda esta confusão, ouve-se um telemóvel tocar. Era o de Dom Afonso.

DOM AFONSO – ESTOU SIM!

DESCONHECIDO – Sim, boa tarde. Olhe, tenho aqui um cartão convite.

– Não me diga…e como o encontrou?

– Trouxe-mo uma visita.

– Uma visita?

– Sim. Olhe, eu não posso ir aí…vicissitudes. Eu queria saber, uma vez que lê o futuro, quando é que me irão soltar?

– Ó Amigo, seja mais específico. Soltar? De quê?

– É que…eu estou preso…prisioneiro “44”. Diz-lhe alguma coisa?

– Assim de momento não…

Mumadona acena a Dom Afonso. Diz-lhe entre dentes:

– É o Sócrates. É o Sócrates…

Dom Afonso mostra um ar de surpresa. Quando se preparava para falar, a chamada cai. O prisioneiro ficara sem saldo.

Dom Afonso olha o Bobo novamente. Pergunta-lhe:

– Ó Bobo, queres explicar-me como é que o convite da Dona Augusta (a da Adega dos Caquinhos) foi parar à prisão de Évora?

Mumadona coça a cabeça. O Bobo foge para junto do Pio Nono. Dom Afonso senta-se num dos penedos a pensar na vida, enquanto contempla a sua cidade.

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